quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

2NB - As raízes do mito

1. Leia o texto com atenção.
Durante grande parte da baixa idade média a Europa viu-se afundada em crises, são sucessivas ondas de fome, peste e guerras que se manifestam, sobretudo, nos séculos XIV e XV, assim se vê um fortalecimento e reaparecimento de muitos mitos. Como se não bastasse desde o século XIII seguem-se diversos levantamentos populares em várias regiões como Flandres, Toulouse, Kent, Paris, Gand, bancos italianos vão a falência, o preço dos cereais caem, há uma ausência de metais preciosos essenciais para o comércio e caem consequentemente as arrecadações de impostos, tudo isto leva a um êxodo urbano quase que generalizado. Esta situação de desespero leva as populações a buscar explicações e soluções divinas para a crise, assim encontra o messianismo e o milenarismo espaço para crescer. Dado que atesta esta relação entre crise e escatologia é o de que não há evidências de surtos desta natureza na Europa antes do final do século XI.
Este clima de incerteza e medo permeia quase toda a baixa idade média e avança sobre a idade moderna, o descobrimento da América em 1492 causa uma verdadeira revolução no imaginário europeu, a terra não se resume mais às regiões da Europa, Ásia e África, este novo território necessita de uma explicação divina, talvez seja o paraíso, talvez seja o prenúncio do juízo final já que o último rincão da terra havia sido conquistado pelo cristianismo.
Em Portugal cresce durante todo o século XIV as lendas em torno da figura de D. Afonso Henriques e a batalha de Ourique, assumindo cada vez mais um caráter divino, isto não é um acidente, mas fruto de uma tentativa de divinizar a monarquia portuguesa, não tanto quanto os “Reis Taumaturgos”, mas ainda dentro deste sentido, assim Portugal é o reino escolhido por Deus para comandar a cristandade em direcção a um novo tempo.
Portugal do início do século XVI já não apresentava a mesma vitalidade que havia lhe proporcionado o papel de vanguarda do século anterior, uma decadência econômica se instala obrigando até mesmo a abandonar antigas possessões na África, se isto já não bastasse para abalar o imaginário dos portugueses a política de casamentos com a coroa de Castela e a unificação do trono espanhol deixa Portugal em uma constante situação de risco para sua independência. Este mesmo Portugal mantém traços da medievalidade como o espírito cruzadístico e a identificação de um “Rei cavaleiro” convivendo com práticas modernas do antigo regime, desta forma o desejo de retomar as possessões africanas e recuperar a glória do passado manuelino, a exortação à guerra e o espírito de cruzada se juntam formando uma “mistura explosiva” que será a tónica do reinado do desejado. Ainda neste período há um crescimento considerável da circulação de livros impressos e de versões populares da Bíblia o que favorece a livre interpretação já referida.
Enfim o mito que futuramente se tornaria o sebastianismo encontra o elemento que faltava, um sapateiro que colocasse no papel as idéias e as difundisse em um meio predisposto a aceitá-las. Gonçalo Annes, o Bandarra, representante da “cultura artesã apocalíptica” descrita por Jacqueline Hermann, é o elemento responsável pela transição e transmissão na esfera popular do messianismo, transitando entre cristãos novos e velhos o ilustre sapateiro assimila diversos elementos de ambas culturas para redigir as suas Trovas, ao fazê-lo também cumpre o papel de intermediador entre o oral e o escrito, o que antes era cultura oral passa a existir na forma escrita , ou seja Bandarra é o grande mediador entre dois mundos: o cristão-novo e o cristão-velho, o oral e o escrito, o popular e o erudito. Nas suas Trovas Bandarra fala sobre três temas, a sociedade e a hierarquia quebrada, a esperança de um novo mundo e a atribuição a um rei português a missão salvadora e é este texto que circula entre o povo que tem o sapateiro como “profeta”.
Rodrigo Silva, As raízes do sebastianismo (Adaptado)
2. Defina os seguintes termos.
- Levantes.
- Falência.
- Atestar.
- Permear.
- Arrecadação.
- Abalar.
- Surto.
3. Responda às perguntas conforme o texto.
- Que contexto socioeconómico favoreceu o aparecimento dos mitos medievais?
- Que explicações se atribuíram ao descobrimento da América em 1492?
- À figura de D. Afonso Henriques e à batalha de Ourique é-lhes atribuído um caráter divino. Porquê?
- Que mudanças se verificam no Portugal do início do século XVI?
- Apesar dessas mudanças o país vem alastrando uma série de crenças que lhe abismam o pensamento. Quais?
4. No texto encontramos substantivos como direcção, atribuição e possessão que derivam de diferentes verbos. Sabendo isto, procure os verbos e os particípios decorrentes dos seguintes substantivos.
- Direcção.
- Atribuição.
- Possessão.
- Levantamento.
- Transmissão.
- Hierarquia.
- Transição.
- Revolução.
- Independência.
- Casamento.
5. As Trovas do Bandarra supuseram uma autêntica revolução aquando do seu aparecimento. Pensa que seria possível no dia de hoje acontecer algo parecido? Justifique a sua por extenso.

 
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